terça-feira, 29 de agosto de 2006

Ouço ...


Ouço bater- é ela certamente
Que se arrepende e volta numa prece!
Ouço bater. Nao abro, não merece...
Pois que fique a bater eternamente!

A chuva cai frenética, docemente
O vento chora e, em gritos enraivece,
Tudo cá dentro escuta e estremece
Não abro não. Mentiu e ainda mente.

Não devo abrir!...Bem sei que não devia...
Mas a noite, meu Deus, está tão fria!
E se ela morre, ao abandono, assim?!

Vou abrir. Vou terminar meu tormento,
Ninguém, meu Deus, ninguém! Foi o vento,
Tragicamente a escarnecer de mim!...

Poesias de OLAVO BILAC

terça-feira, 22 de agosto de 2006

Despedida


















Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão,
deixo o mar bravo e o céu tranquilo:
quero solidão.

Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces? - me perguntarão.
- Por não ter palavras, por não ter imagens.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.

Que procuras? - Tudo. Que desejas? - Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.

A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação...
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?

Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão!
Estandarte triste de uma estranha guerra...)

Autora: Cecília Meireles

quinta-feira, 17 de agosto de 2006

Releio


Releio os versos que escrevi,
mudo os poemas de lugar,
folheio livros que já li
e sei que ainda há muito para escrever.
Tomo o gosto ao som das palavras,
tacteio a textura das cores
e viro-me para o papel sem sinais
onde quero escrever AMOR
com outras cores e sons.
A espera recomeça
e chega-me o eco das palavras
que todos já escreveram.
Afinal só falta escrever nada
ou tudo outra vez
com a voz a tremer
porque o poema é o pulsar da alma.

segunda-feira, 7 de agosto de 2006

Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
A minha face?

Autora: Cecília Meireles

sexta-feira, 4 de agosto de 2006

O Farol

Brilham as pétalas de seda silenciosa das rosas quando
no leito da noite escura
sobre elas se passeiam os raios circulares do farol
O farol que acena às traineiras distantes
aos beijos ululantes das ondas invernosas
às estrelas além das nuvens fuzilantes na tempestade
Apaga-se de manhã a luz intermitente do farol do cabo
E as pétalas silenciosas de seda penitente
ficam pacientes à espera
que a noite lhes realce uma vez mais a majestade
E venham famintos os duendes
convidá-las para a última dança no adro.

Foto tirada na Maia - Santa Maria - 16/07/2006

quinta-feira, 3 de agosto de 2006

É tempo ...


É tempo de estar e ser
docemente,
saber que tudo tem cor.
É tempo de querer
de receber e de dar.
É tempo de Amor!
É tempo de falar
e dizer o sentido da vida.
É tempo de um momento contido
derramado no teu olhar.
É tempo sem tempo de te amar.


Foto tirada a uma pintura num prato, oferecido
pela minha amiga pintora "Cacilda"