domingo, 25 de fevereiro de 2007

Como eu não possuo

Olho em volta de mim. Todos possuem ---
Um afecto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
E não possuo mesmo quando enlaço.
Roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São êxtases da cor que eu fremiria,
Mas a minhalma pára e não os sente!
Quero sentir. Não sei... perco-me todo...
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo para ascender ao céu,
Falta-me unção pra me afundar no lodo.
Não sou amigo de ninguém. Pra o ser
Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse --- ou homem ou mulher,
E eu não logro nunca possuir!...
Castrado de alma e sem saber fixar-me,
Tarde a tarde na minha dor me afundo...
Serei um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dor posso encontrar-me?...
Como eu desejo a que ali vai na rua,
Tão ágil, tão agreste, tão de amor...
Como eu quisera emaranhá-la nua,
Bebê-la em espasmos de harmonia e cor!...
Desejo errado... Se a tivera um dia,
Toda sem véus, a carne estilizada
Sob o meu corpo arfando transbordada,
Nem mesmo assim --- ó ânsia! ---
eu a teria...Eu vibraria só agonizante
Sobre o seu corpo de êxtases doirados,
Se fosse aqueles seios transtornados,
Se fosse aquele sexo aglutinante...
De embate ao meu amor todo me ruo,
E vejo-me em destroço até vencendo:
É que eu teria só, sentindo e sendo
Aquilo que estrebucho e não possuo.

Autor: Mário de Sá Carneiro

4 comentários:

o alquimista disse...

Um texto esmagador de um conhecido autor...e passei para te cumprimentar...


Beijinho

Lâmina d'Água & Silêncio disse...

Instigante...

Gostei!!!

Obrigada por tua visita e gosto de te ver por perto!!! Sempre lembro-me de ti e de tua atenção e cuidado e é bom saber que temos pessoas assim como tu, por perto!!!

Volte sempre!!!
Bijinhos querida!!!
Cris

Aprendiz de Viajante disse...

Passar aqui é sempre um bálsamo para a alma...

Mesmo ausente na blogosfera, hoje lembrei-me de te deixar um bjinho.

Fica bem!

José Louro disse...

Bela fotografia.
Primeira vez que cá passo.